Itaquera e os migrantes nordestinos: heróis anônimos

Por Rafael Fernandes - Historiador, Escritor e Professor de História na Rede Pública de Ensino

Flavio e sua família

Flavio e sua família

Eu adoro ouvir boas histórias e dividir com vocês. E desta vez quero compartilhar a trajetória desse cearense que veio tentar uma vida melhor aqui em Itaquera, e que representa uma grande comunidade que chegou em São Paulo cheia de sonhos e muita força: os migrantes nordestinos.

Flávio durante o dia é professor de matemática em uma escola pública na Cidade Líder e à noite trabalha na companhia elétrica da cidade. E mesmo assim está sempre sorrindo e disposto a ajudar quem precisa.

Esse cearense, de 49 anos, veio para Itaquera na década de 90, e daqui não pretende mais ir embora. Nesse período, muitas outras pessoas de vários lugares do Brasil, principalmente do nordeste, vieram para São Paulo em busca de oportunidades. E Itaquera foi uma das regiões que mais acolheram esses homens e mulheres.

O nosso bairro estava em grande expansão. O Conjunto Habitacional José Bonifácio, mais conhecido como Cohab II, foi fundado em 1980. Oito anos depois o Metrô chegava a Itaquera. Era o início de um grande crescimento populacional. E o bairro, que era utilizado como dormitório, pois os moradores trabalhavam em outras regiões mais desenvolvidas, começa a iniciar um processo de desenvolvimento econômico.

Em 1992, Flavio estava trabalhando como professor particular em sua terra natal Jaguaribara (CE) quando recebeu o convite do irmão, que já morava em São Paulo. Um ano depois, ele estava trabalhando na cidade grande. Era o início de uma história de muito trabalho e superação.

No início, passou a dividir o aluguel com um primo. As coisas começaram a dar certo na vida do Flavio quando, depois de muito estudo, conseguiu ingressar na universidade e cursar Direito. Mas no ano de 1997, uma grande tragédia acomete a sua vida. O primo com quem morava se suicida. Esse triste acontecimento se torna mais um divisor de águas em sua trajetória. Nesse mesmo ano ele larga o curso universitário, começa a trabalhar na companhia elétrica de São Paulo e passa a morar em Itaquera. Ali a sua história com o bairro se inicia.

Muitos se lembram que, em 1995, foi inaugurada a Avenida Jacu-Pêssego, e três anos depois, a linha de trem Itaquera-Guaianases, que serviu para desativar o trajeto da antiga estrada de ferro, tirando a linha de trem do centro de Itaquera.

No ano de 2000, ocorre mais um importante acontecimento na vida do protagonista dessa história: Flavio se casa com Maria, também migrante nordestina, e da mesma cidade. Cinco anos depois nasce a primeira filha do casal, que recebe o nome em homenagem ao pai: Flavia.

Quatro anos depois a esse grande acontecimento,  é inaugurada em Itaquera a Nova Radial Leste. Enquanto alguns moradores tentavam tombar (preservar a antiga estação da forma original), uma ação silenciosa da Prefeitura a demoliu.

Daí em diante, o bairro não para de crescer. No ano 2000 ocorreram: a abertura do Poupatempo, sete anos depois chegou o shopping, e em 2014 o Brasil se torna sede da Copa do Mundo e nós recebemos o mundo na abertura da Copa, realizada no recém-inaugurado Itaquerão (hoje Neo Química Arena).

Enquanto isso, a família protagonista desta história aumenta. Em 2011 nasce Angelica, a filha mais nova do casal. Dois anos depois, Flavio passa em outro concurso e assume como professor na rede pública de ensino e a comunidade ganha um grande profissional dedicado, responsável e que muito contribui para o desenvolvimento da região.

Dentro desse espaço que chamamos de nosso bairro, muitas histórias como a do Flavio vão sendo escritas, e assim construímos a nossa identidade. São esses personagens, tão comuns e acessíveis, que nos inspiram e aumentam o nosso desejo de lutar por uma sociedade mais justa e solidária.

Muito obrigado ao nosso cidadão, profissional da iluminação e grande professor Flavio, por sua contribuição e paixão por esse bairro.

Rafael Fernandes
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