Quem um dia imaginaria que a ideia de trazer uma ciclofaixa à Avenida Maria Luiza Americano, para facilitar a mobilidade, a segurança e garantir o direito de ir e vir dos ciclistas da região, também se tornaria palco de um grande descontentamento entre os lojistas de Itaquera.
Quem trafega de carro pela principal ligação entre a Avenida Líder e a Avenida Afonso de Sampaio e Souza, que dá acesso ao Parque do Carmo – Olavo Egydio Setúbal –, certamente percebe o polo comercial em pleno crescimento econômico (confira reportagem feita por este jornal em 2017) onde os estabelecimentos comerciais dependem da via de rolagem para estacionar os carros e, consequentemente, atender a clientela.
No entanto, após a implementação da nova ciclofaixa que colocou fim ao direito de estacionar em frente às lojas, os comerciantes perceberam imediatamente a retração de suas receitas no pior momento que vivemos, que condiz com a pandemia em si e a Fase Emergencial do Plano São Paulo, que traz ainda mais restrições para conter o avanço do novo coronavírus.
Além disso, os moradores do bairro, que são, em sua maioria, idosos dependentes do auxílio dos lojistas para realizarem as suas compras, preferem não desembarcar de seus carros depois que a pandemia começou. Isso porque eles sentem medo de contraírem a Covid-19. Aí os comerciantes os auxiliam nas compras, revelou Adriana Maresca Simões, médica veterinária e residente do bairro há mais de 20 anos.
“Geralmente os clientes mais idosos querem parar em frente à loja para deixar o seu pet ou comprar ração. Eles têm dificuldades de locomoção ou são sozinhos, por isso vêm de carro. Sem conseguir estacionar por conta da ciclofaixa, eles acabam se expondo ao vírus e comprando em mercados. E com isso todos saem perdendo”, disse.
CRESCIMENTO ECONÔMICO AMEAÇADO
Tipicamente residencial e repletos de moradores que somam décadas na região, os bairros que circundam a Avenida Maria Luiza Americano viram, nos últimos anos, a evolução financeira gerada pelos bares, restaurantes, barbearias, lojas de utilidades, agência bancária, padarias, entre outros, que ali se fixaram.
Porém, a implementação de um novo equipamento público como a ciclofaixa, aliada à crise financeira que a pandemia do Coronavírus trouxe, pode ser a fórmula para alguns lojistas optarem pelo fechamento de suas empresas.
Para Leandro Alexandre, gerente de um restaurante de comida japonesa, ver 60% do faturamento mensal cair nos últimos meses, pode ser o fim do negócio que sobrevive há dois anos na avenida. “Essa ciclofaixa não ajudou em nada até agora. Pelo contrário, só atrapalhou. Antes os clientes tinham onde parar. Agora que perdemos mais da metade da clientela, estamos pensando em passar o ponto. Aqui já deu!”, afirmou Leandro.
OPINIÕES DIVIDIDAS
Mesmo com a pressão feita pelos comerciantes, por meio de protestos na região com direito à carreata e carro de som, atos estes que não tiveram respostas do poder público, a ciclofaixa segue dividindo opiniões e causando muita discórdia entre os que usam a via e quem precisa do espaço para estacionar os carros.
De acordo com o Edgar de Almeida Silva, morador da região há mais de 40 anos e usuário assíduo da ciclofaixa, “para quem precisa ir e vir do trabalho usando a ciclofaixa até que ficou bom, mas para os comerciantes isso aqui virou um transtorno”.
SEM PREJUÍZOS
Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Itaquera, Roger Fildimaque, é importante a expansão das ciclovias e ciclofaixas, mas elas devem ser realizadas de forma que não prejudique os estacionamentos em vias públicas, que são os mais procurados pelos clientes do comércio local, independente de serem livres ou controlados.
“A falta de espaço para estacionar em uma área comercial reduz a acessibilidade, prejudica as atividades comerciais e induz ao estacionamento irregular. Quando não existem vagas suficientes para estacionar, situações desagradáveis são geradas ao trânsito, fazendo com que os motoristas fiquem dando voltas, gastando tempo e combustível, poluindo o ar e interferindo na fluidez do trânsito”, observou Fildimaque.
O QUE PENSA O OUTRO LADO
Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), cerca de 13 mil internações hospitalares de ciclistas foram registradas no cadastro de admissão do Sistema Único de Saúde (SUS), desde 2010. A pesquisa ainda aponta que já foram gastos R$ 15 milhões com o tratamento de ciclistas traumatizados pela colisão com ônibus, carros ou motocicletas.
Representando um dos maiores grupos de ciclistas da Zona Leste, o Pedala Itaquera, Sérgio Luiz Teles de Lima contou com exclusividade ao Jornal Desenvolve Itaquera o que pensam os ciclistas sobre a ciclofaixa da Avenida Maria Luiza Americano.
“Os comerciantes não podem esquecer que o ciclista que passa na avenida também é um cliente e pode consumir nos seus estabelecimentos. Ainda tem a questão da nossa segurança, porque antes da ciclofaixa a gente se espremia entre os ônibus, carros e as motos que fazem entregas”, disse o presidente.
MALHA CICLOVIÁRIA
A entrega da ciclofaixa com mais de 4 mil metros de extensão que, segundo o Diário Oficial da Cidade de São Paulo custou cerca de R$ 508.018,61, aconteceu em janeiro de 2021. Portanto, a via faz parte do Plano Cicloviário da Prefeitura de São Paulo de implementar e expandir a malha cicloviária por toda a cidade. Hoje a capital conta com 657 quilômetros, mas nem sempre foi assim.
Desde 2015, os gestores da capital paulistana se revezam na tentativa de levar à população maior conforto e qualidade de vida, por meio de alternativas de mobilidade urbana como as bicicletas e outros modais. Além disso, criar um modelo sustentável para desafogar o trânsito na maior metrópole da América Latina, sempre foi a meta dos governantes.
Para atender os mais de 300 mil ciclistas que utilizam a bike todos os dias para lazer ou meio de transporte, a Prefeitura de São Paulo, por meio do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT) decidiu criar a Câmara Temática de Bicicleta.
AUDIÊNCIAS PÚBLICAS
Com o objetivo de discutir medidas que auxiliem na locomoção dos ciclistas por entre as ruas e avenidas da cidade. O órgão convoca regularmente representantes da sociedade civil para dialogar com o secretário de Mobilidade Urbana e Transportes e técnicos da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).
Desse modo, a Avenida Maria Luiza Americano se tornou objeto de discussão em 10 audiências públicas que ocorreram entre 2018 e 2019, além de mais 10 oficinas participativas para dialogar com a sociedade sobre o Plano Cicloviário.
O foco dos encontros era pleitear a construção de uma ciclofaixa que atendesse às necessidades dos ciclistas que se arriscavam ao passar diariamente pela via. Mas segundo Adriana Simões, ninguém foi avisado sobre nenhum encontro que haveria para discutir o projeto com os comerciantes e a comunidade.
REMÉDIO
Para Sérgio Cazuza de Almeida, um dos moderadores da página Pedala Itaquera no Facebook, o ciclismo foi serviu como remédio. Há quatro anos o ciclista encontrou nas pedaladas diárias uma maneira de driblar a depressão. Para “Cazuza”, a ciclofaixa chegou como uma salvação à população local que vai se beneficiar da novidade.
“O bem-estar, a qualidade de vida e o dinamismo que as pedaladas trouxeram pra mim, vai alcançar outras pessoas através dessa ciclofaixa. Disso eu tenho certeza. Você duvida?”, questionou Almeida.
COM A PALAVRA A AUTORIDADE
No centro das discussões e debates acerca da nova ciclofaixa na Zona Leste está a CET. O órgão é responsável por gerenciar, operacionalizar e fiscalizar todo o sistema viário da cidade de São Paulo. Além disso, participa de maneira efetiva nas tomadas de decisões junto à Prefeitura analisando tecnicamente a infraestrutura das vias a fim de melhorar a mobilidade urbana da capital.
Questionados pela reportagem sobre o desconforto que a ciclofaixa trouxe aos comerciantes locais e, segundo os lojistas, a unilateralidade da decisão de implantar no local o equipamento viário, a CET respondeu em nota que além da participação civil na discussão do assunto houve também um aumento de trabalhadores usando a bicicleta como meio de transporte.