Para quem mora em área de risco ou que alaga quando chove, sempre que o tempo fecha, começam os problemas. Neste início de ano, muitos itaquerenses passaram por situações que nem eles imaginavam um dia viver. Pessoas sendo levadas pela correnteza, a perda de uma criança que foi levada pela enxurrada e encontrada sem vida no Rio Tietê, ruas que viraram verdadeiros rios, carros submersos, casas e comércios com água que chegaram a 2 metros, árvores caídas e muita lama.
Sim, está chovendo mais do que o esperado, mas tanto os moradores quanto os comerciantes não aguentam mais passar pelos menos problemas todos os anos. De acordo com os residentes mais antigos, a história se remete há mais de 50 anos.
Leda Rodrigues, por exemplo, diz que em 1998 já se falava em projeto de piscinão para conter as águas na região central de Itaquera.
“Inclusive com aprovação e verba definidas. Mas cadê? Entra dinheiro, some dinheiro e essa palhaçada não tem fim. Levei até projeto na Câmara dos Vereadores”, revelou.
A mesma cobrança vem de Gilberto Roque. Ele, junto de outros moradores, está sempre alertando para a necessidades desta obra para a Prefeitura nas plenárias municipais. Inclusive o assunto segue em discussão no momento com a revisão do Plano Diretor.
“Já indicamos locais, levamos ao conhecimento os endereços que têm problemas e nada”, observou.
Entidades como a Câmara de Dirigentes Lojistas de Itaquera (CDL Itaquera) e Núcleo de Desenvolvimento Itaquera (NDI) há anos encabeçam cobranças para que intervenções sejam realizadas para combater os alagamentos. As entidades chegaram, inclusive, a inserir o combate urgente às enchentes no documento que contém as cinco prioridades para o desenvolvimento de Itaquera.
A vereadora Sandra Tadeu, destacou que há 10 anos vem liderando, junto ao legislativo, iniciativas para conter o problema.
“Não dá pra continuar desse jeito. Estou em contato direto com o prefeito Ricardo Nunes e a Siurb – Secretaria de Infraestrutura e Obras – para entender o que está acontecendo e inserir, em caráter de urgência a construão de um piscinão no bairro. E também entender as graves denúncias referentes aos problemas causados pelas obras do Córrego Rio Verde. Andei pelo bairro com a subprefeita e os técnicos e só ouvi reclamações”, pontuou a parlamentar.
O vereador Alessandro Guedes encaminhou à reportagem documento emitido pedindo a construção de um piscinão. Segundo a nota de sua assessoria, em 2017, durante o primeiro mandato, ele se reuniu com o secretário municipal de obras do município, na época Marcos Penido, reivindicando o piscinão em Itaquera. E que, no mesmo ano, conseguiu aprovar no Legislativo uma emenda parlamentar no valor de R$ 2 milhões, que entrou na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), destinada à realização de um projeto executivo visando à execução da obra na bacia dos afluentes do Rio Verde-Jacu Pêssego.
“Na época, o então prefeito João Doria não executou a emenda”.
As informações seguem explicando que, para ajudar as famílias que sofrem com o problema, Guedes retomou com a campanha pela construção do piscinão Itaquera.
“Um abaixo-assinado está em andamento e será entregue ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) com o objetivo de agilizar a construção do piscinão Itaquera. O objetivo é coletar ao menos 10 mil assinaturas.
Link abaixo assinado:
https://bityli.com/piscinaoitaquera
O engenheiro Evando Reis, que já foi subprefeito da Mooca, integrante da Defesa Civil, e tem família em Itaquera, também está na linha de frente para resolver o problema.
“As inundações são recorrentes. Eu tenho uma visão clara dos dois lados – prefeitura e sociedade que hoje represento. Depois que aconteceram obras em áreas que serviam como um piscinão natural, toda água deste lado que foi impermeabilizado foi transferida para a parte de Itaquera que fica do lado da Rua Padre Viegas de Menezes, Tomazzo Ferrara, Carolina Fonseca, Pires do Rio. Os córregos estão estrangulados e não suportam esta vazão. Precisa-se de um estudo relativo às calhas dos rios, desassorear e ter um projeto de micro e macro drenagem. Enfim, uma série de obras pra fluir esta vazão e completar tudo com a construção de um piscinão. Só ele não resolve. O Rio Verde está totalmente estrangulado há anos”, pontuou.
DE TIRAR O SONO
Em junho de 2022, o Jornal Desenvolve Itaquera já alertava para as enchentes. Esta foi uma, entre as várias matérias publicadas sobre o tema. Em dezembro, as fortes chuvas que caíram já anunciavam que os problemas seriam ainda maiores, quando ruas viraram rios e muitos moradores foram afetados.
Os temporais continuaram e, no dia 29 de janeiro, um dilúvio deixou vários bairros da Zona Leste intransitáveis. Em Itaquera, não foi diferente e a situação se complicou ainda mais. Os prejuízos, emocionais e materiais, foram enormes. Muitos itaquerenses perderam tudo e ainda estão à espera de ajuda da Prefeitura. O cenário durante e depois que as águas baixaram foi de que um “tsuname” havia passado.
LOCAIS
Entre os endereços atingidos estão ruas que ladeiam o Mini Terminal de Ônibus de Itaquera, com o transbordamento do córrego Jacu. Nem mesmo o viaduto da Nova Radial, que corta o bairro, escapou do acúmulo de água. Fotos tiradas de prédios mostram toda a região central inundada.
A Avenida Jacu-Pêssego ficou intransitável em vários trechos, sendo um deles na altura do Conjunto José Bonifácio. Problemas também ocorreram na Avenida Adriano Bertozzi, na altura do número 383; na Rua Bartolomeu Ferrari, com a queda de uma árvore, no Jardim Helian, nas ruas Pariparoba, Mica, Caçador Narciso, Imburana, Carolina Fonseca, Tomazzo Ferrara, Pires do Rio, Padre Viegas de Menezes e Reriutabua.
OS ALAGAMENTOS
Moradores e comerciantes passaram a cobrar ações emergenciais e também a inclusão de obras que melhorem a segurança de todos. As ações conjuntas com o poder público ainda incluem que o Cades – Conselho do Meio Ambiente – agende em outubro a limpeza minuciosa de córregos e afluentes dos rios Verde e Jacu; mais atenção para a Praça Luiz Francisco Morgado, na Avenida Caititu, e para o afundamento do asfalto da Rua Cabo Joel Leite, 82, na altura das bocas de lobo.
Mais uma vez, as Câmeras de Segurança instaladas através do Programa Vizinhança Solidária/City Câmeras PMSP, em parceria com a CDL Itaquera e Conseg Itaquera, flagraram em vários momentos a Rua Padre Viegas de Menezes submersa, assim como a Rua Nicolino Mastrocola, uma travessa da Rua Tomazzo Ferrara. Uma moradora chegou a comentar: “Obra da Sabesp no local mal feita; bueiros estourando e as casas enchendo”.
MURO DESTRUÍDO
Ainda referente à enchente, o Condomínio Álamos, na esquina da Rua Sábado D’Angelo com a Avenida Professor João Batista Conti, teve parte do muro destruído. Na Rua Carolina Fonseca, fotos encaminhadas registraram, inclusive, freezers de uma sorveteria boiando no meio da rua.
“Muito triste o que aconteceu comigo e com os outros comerciantes que perderam suas mercadorias e viram seus estoques e investimentos sendo levado pelas águas. Eu quero respostas e ajuda da Prefeitura”. As palavras são de Carolina Rodrigues.
Depois de reunião na sede da Subprefeitura Itaquera, os comerciantes ainda aguardam pelas devolutivas das questões apresentadas. “Nenhum projeto ou solução foi apresentado aos comerciantes da Rua Carolina Fonseca. Só de mercadoria eu perdi R$ 60 mil. Cinco freezers precisam ser arrumados, fora os equipamentos e outras perdas”, contou à reportagem.
DO CONHECIMENTO DE TODOS
“O que está acontecendo se repete há anos. Por falta de atenção, ou atenção inadequada do Rio Verde. Tudo que vem sendo executando ao longo dos anos é paliativo. Com isso ficamos à mercê da sorte”, observa o presidente do Conseg Itaquera, o dr. João Marcos Ultramar Quinteiro.
Fran Kauê, fundador da AEC Kauê, além de registrar o rio formado na Rua Tomazzo Ferrara, com a chuva de 29 de janeiro, criticou, mais uma vez, as obras de canalização do córrego.
“Nunca tinha entrado água na minha casa! E desta vez entrou na garagem! As duas pontas da rua inundaram, tanto a que vem da Comunidade da Paz quanto a que vem do centro de Itaquera. Eu nunca vi isso. As famílias estão desesperadas. Eu já tinha chamado esse pessoal pra fiscalizar esta obra”, desabafou.
AS OBRAS
Aqui há outro imbróglio. Após pressão popular e cobrança de lideranças e entidades da região, uma reunião em caráter emergencial foi marcada na sede da Subprefeitura Itaquera que contou com a presença da subprefeita Silvia Regina, da vereadora Sandra Tadeu, e de representantes da Siurb.
A ideia foi justamente conversar com os comerciantes e moradores de áreas afetadas e buscar soluções. Entre as inúmeras manifestações estavam os questionamentos sobre as obras que estão acontecendo no córrego Rio Verde.
Entre as falas que chamaram atenção, estava a da Aline Silva de Sá. Ela, junto de outras moradoras da Rua Maria Andresa de Abreu, uma Travessa da Rua Padre Viegas de Menezes, informaram que suas casas foram interditadas porque as árvores na margem do córrego estavam prestes a cair. Isso aconteceu com o avanço das obras que acontecem no local. A terra que dava sustentação às espécies foi sendo retirada até que ficassem sem sustentação.
Diante da gravidade dos relatos, grupos foram formados para que os representantes entendessem cada caso e informassem as secretarias responsáveis.
Entre as falas, a moradora Daniela pontuou: uma vez que o engenheiro afirmou que a obra do Rio Verde deveria ter 5 metros e nós estamos vendo que não é isso que aconteceu, significa que foi afirmado um erro. Uma vez afirmado o erro na presença de todos, quem vai pagar a conta dos moradores? Onde nós podemos verificar o projeto que está sendo feito? E toda vez que houver um projeto onde nós moramos ou trabalhamos, com qual pessoa nós podemos conversar? Neste caso que nós vimos que está errado, onde um rio que é deste tamanho e está menor, nem precisa ter estudo pra saber que alguma coisa está errada. A quem recorrer?
O presidente da Acemi (Associação do Comércio, Empresários e Moradores de Itaquera) com a palavra afirmou:
“O que precisa? que a turma aqui vá falar com o governador?, presidente? esse pessoal vai.Aqui tá todo mundo prejudicado”, se referindo a entidades, comerciantes e moradores da região.
O presidente da CDL Itaquera, Roger Fildimaque, afirmou que não tem como um bairro se desenvolver e ter um comércio forte, enfrentado graves problemas de infraestrutura.
“Isso prejudica o comerciante local, afasta investidores e consumidores”.
MURO ABALADO
Já Dona Neusa, moradora há 34 anos na Rua Francisco Munhoz Filho, reclamou que a máquina entrou no córrego para limpar e quebrou um pedaço da mureta.
“Com as enchentes vem tudo para as nossas garagens. Ninguém arruma. Eu ligo direto pra Prefeitura. O muro tá balançando e se vier outra enchente vai derrubar e a água virá toda pra as nossas casas”. Outra moradora completou: “Eu perdi tudo! Até a minha casa. Tive que sair de lá.”
CIDADE LÍDER
Ainda dentro da reunião, um morador que tem projeto social no Campo do Paraíba, relatou trechos com enchentes próximos à Favela Particular e na Rua Farburgo. No local tem uma canalização que ainda conta com os tubos antigos.
“Esse é um trecho que sobe muita água, entra pra Francisco Munhoz que vai para a Danilo José Fernandes, uma escola referência do bairro, que também perdeu muitas coisas.”
Foi, inclusive, mencionado, que a escola tem um estacionamento que dá acesso ao rio e o local pode servir de entrada de máquinas para fazer a limpeza do córrego. Outro ponto comentado foi a Comunidade Postinho que não teve a presença da Defesa Civil.
Também foi indicado o trecho próximo ao Negreiros que tem um terreno que caberia um Piscinão. O local é o principal trecho das enchentes na Avenida Líder e também recebe uma canalização emergencial da Prefeitura, que é uma preocupação para os moradores.
RESPOSTAS
A reunião durou horas e muitas das respostas não puderam ser dadas no local porque envolvem outras secretarias. Outras já tiveram as soluções encaminhadas, caso das árvores da Rua Maria Andresa de Abreu.
A subprefeita Silvia Regina revelou que está aberta ao diálogo e lamentou os transtornos trazidos pela chuva.
“Visitamos os locais, andamos muito, estou em contato com as equipes que enviamos aos locais atingidos e com a Defesa Civil. Acionado o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social para dar assistência às famílias e visitamos os locais com engenheiros da secretaria, que ajudam na avaliação dos córregos que cruzam Itaquera.”
Segundo o representante da secretaria, Rodrigo de São Pedro, com relação às obras do Rio Verde, as informações passadas seriam verificadas posteriormente pra saber, de fato, o que aconteceu. A informação de momento seria de que, para não desapropriar uma casa, foi dada a continuidade na obra. Ele ainda citou a presença de uma muro que já estaria sendo removido nas proximidades do Campo do Paraíba, e que também estuda-se a construção de um piscinão subterrâneo no local.
MAIS ENCHENTES
Logo após a reunião ocorrida na subprefeitura de Itaquera, ainda no mesmo dia, a região voltou a sofrer com fortes chuvas e transbordamentos. Até o fechamento desta reportagem, foram diversos alagamentos em sequência na região. O que nos deixa um recado importante: Itaquera precisa com urgência de planos com ações de curto, médio e longo prazos de combate as enchentes.
Confira os vídeos das enchentes que ocorreram na região:
Fragrante da enchente no Projeto City Câmeras
Poder Público fiscaliza obras durante enchente
Morador filma prejuízo
Homem é arrastado pela água
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